Lawyers for Assange Lawyers for Assange

JURISTAS POR ASSANGE

Observadores Internacionais Independentes de Juristas
nos Processos Legais no caso Julian Assange

Carta Aberta ao Primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, à Ministra do Interior, Priti Patel, ao Lord Chancellor e Ministro da Justiça, Robert Buckland QC

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À atenção de:
Primeiro Ministro Boris Johnson,
Lord Chanceler e Ministro da Justiça, Robert Buckland QC,
Ministro dos Negócios Estrangeiros Dominic Raab e
Ministro do Interior Priti Patel.

Como juristas profissionais e universitários, expressamos as nossas preocupações colectivas em relação às violações dos direitos humanos, civis e políticos básicos do Sr. Julian Assange e o precedente criado pela sua perseguição. Pedimos-lhes que ajam de acordo com o direito nacional e internacional, os direitos humanos e o Estado de direito, pondo fim ao processo de extradição em curso e concedendo ao Sr. Assange a liberdade que de há muito lhe é devida, nomeadamente o direito de não ser sujeito a tortura, detenção arbitrária e privação da liberdade, bem como perseguição política.

A) A ILEGALIDADE DE UMA POSSÍVEL EXTRADIÇÃO PARA OS ESTADOS UNIDOS

A extradição do Sr. Assange do Reino Unido para os EUA é considerada ilegal pelas seguintes razões:

a) Risco de ser submetido a um julgamento arbitrário nos Estados Unidos

A extradição é considerada ilegal devido à falha em garantir a protecção dos direitos básicos do Sr. Assange durante o seu julgamento nos Estados Unidos. O Sr. Assange está a ser julgado pelo infame "Tribunal de Espionagem" do Distrito Leste da Virgínia, perante o qual nenhum réu de segurança nacional obteve ganho de causa. Lá, ele deve passar por um procedimento secreto perante um júri escolhido de uma população em que a maioria dos elegíveis para a selecção do júri trabalha para ou está ligada à CIA, à NSA, ao Departamento de Defesa ou ao Departamento de Segurança Interna. [i]

Além disso, o privilégio de advogado/cliente do Sr. Assange, direito consagrado no art. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) e há muito reconhecido pela lei comum inglesa, foi gravemente violado pela vigilância constante e criminosa de vídeo e áudio na embaixada do Equador, realizada pelo empresa espanhola de segurança UC Global. Esta vigilância foi supostamente ordenada pela CIA e desencadeou uma investigação ao proprietário da UC Global, David Morales, pelo Tribunal Superior da Espanha, Audiência Nacional. [ii] A vigilância gravou todas as reuniões e conversas do Sr. Assange, incluindo aquelas com seus advogados. O Conselho de Credenciados em Tribunais e de Sociedades de Advogados da Europa, que representa mais de um milhão de advogados europeus, expressou preocupação de que essas gravações ilegais sejam usadas – aberta ou secretamente – em processos contra Assange em caso de extradição para os Estados Unidos. O Conselho declara que se a informação fosse simplesmente levada ao conhecimento dos promotores, isso constituiria uma violação irremediável dos direitos fundamentais do Sr. Assange a um julgamento justo nos termos do artigo 6 da CEDH e ao devido processo nos termos da Constituição dos EUA. [iii]

Além disso, o Estado Requerente obteve todos os documentos legais do Sr. Assange após a sua apreensão ilegal na Embaixada. Depois de saber que o governo equatoriano estava a planear apreender e entregar aos Estados Unidos os pertences pessoais do Sr. Assange, incluindo documentos, telefones, computadores, pens, etc, o relator especial das Nações Unidas sobre privacidade, Joseph Cannataci, expressou séria preocupação ao governo equatoriano e por duas vezes solicitou formalmente a devolução dos pertences pessoais de Assange aos seus advogados, sem sucesso. [iv] O modelo de tratado de extradição das Nações Unidas proíbe a extradição se a pessoa não recebeu, ou não recebesse, as garantias mínimas no âmbito do processo penal, conforme consagrado no artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP). [v] .

b) A natureza política do crime proíbe a extradição

A acta de acusação lançada pelos Estados Unidos contra o Sr. Assange em 23 de Maio de 2019 consiste em 18 acusações, todas relacionadas exclusivamente à divulgação de 2010 de documentos do governo dos EUA. Essas publicações, incluindo informações sobre as guerras no Iraque e no Afeganistão, telegramas diplomáticos dos EUA e a Baía de Guantanamo, revelaram evidências de crimes de guerra, corrupção e prevaricação governamental. [vi]

As acusações 1 a 17 são estabelecidas pela Lei de Espionagem de 1917, que apenas pelo nome revela a natureza política e arcaica das acusações. [vii] Além disso, a maior parte das 18 acusações está relacionada com a suposta intenção do Sr. Assange de obter ou divulgar "segredos de Estado" dos Estados Unidos de forma prejudicial aos interesses estratégicos e de segurança nacional dos Estados Unidos, o Estado dos EUA, a capacidade das suas forças armadas, o trabalho dos serviços de segurança e inteligência dos EUA e os interesses dos EUA no exterior. Assim, a conduta, motivação e propósito atribuídos ao Sr. Assange confirmam o carácter político das 17 acusações previstas na Lei de Espionagem (crimes "puramente políticos") e a acusação de hacking (crime "parcialmente político"). Além disso, vários funcionários do governo dos EUA atribuíram repetidamente ao Sr. Assange, um cidadão australiano, intenções "hostis" aos Estados Unidos. [viii] O Tratado de Extradição entre o Reino Unido e os Estados Unidos, que constitui a base do pedido de extradição, proíbe expressamente a extradição por delitos políticos no Artigo 4(1). No entanto, o juiz presidente e a acusação simplesmente desejam ignorar este artigo, referindo-se à Lei de Extradição de 2003 ("EA"), que não prevê a excepção para crimes políticos. Isto é ignorar descaradamente o facto de que a EA é apenas uma lei habilitadora que cria garantias legais mínimas, mas não impede protecções mais fortes contra a extradição, conforme expressamente previsto nos tratados, posteriormente ratificados, como o tratado de extradição entre o Reino Unido e os Estados Unidos. Além disso, existe um amplo consenso internacional de que infracções políticas não devem ser base para a extradição. [ix] Isto se reflecte no art. 3 da Convenção Europeia de Extradição de 1957, Art. 3 da CEDH, art.. 3(a) do Tratado Modelo de Extradição das Nações Unidas, na Constituição da Interpol e em todos os tratados bilaterais ratificados pelos Estados Unidos por mais de um século.

c) Risco de tortura ou outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante nos Estados Unidos

O relator da ONU sobre tortura exprimiu com certeza que, se extraditado para os Estados Unidos, o Sr. Assange será exposto a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Preocupações semelhantes também foram expressas pelo Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária, e a Amnistia Internacional reiterou recentemente a sua preocupação com o risco inaceitável de maus tratos. [x]

As condições de detenção e a sentença draconiana de 175 anos, numa prisão de segurança máxima, com que o Sr. Assange se defronta sob inculpação dos Estados Unidos, constituiriam um acto de tortura ou uma outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante, segundo o actual relator das Nações Unidas sobre a tortura e segundo a opinião constantemente expressa por seu antecessor, bem como por ONGs e autoridades judiciárias. [xi]

Se o Sr. Assange for extraditado, ele provavelmente estará, como o próprio governo dos EUA admite, sujeito a medidas administrativas especiais. Essas medidas proíbem aos presos qualquer contacto ou comunicação, com excepção de alguns indivíduos autorizados, e nenhum indivíduo autorizado teria autorização para comunicar ao público informações sobre o tratamento do preso, protegendo assim a tortura potencial do escrutínio público e o governo de toda responsabilidade. [xii]

De acordo com o princípio da não repulsão (non-refoulement), não é permitido extraditar uma pessoa para um país onde existam motivos substanciais para acreditar que ela seria submetida a tortura. Este princípio está consagrado na Convenção sobre Nações Unidas de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados, em particular ao art. 33º, n.º1, do qual não é autorizada qualquer derrogação. Também relevantes são o art. 3, parágrafo 1, da Declaração das Nações Unidas sobre Asilo Territorial de 1967, o art. 3 da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT) e art. 2.º da Resolução sobre o asilo de pessoas em perigo de perseguição, aprovada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 1967. Como obrigação decorrente da proibição da tortura, o princípio da não repulsão nesta área é absoluta e também assume o carácter de uma norma peremptória do direito internacional consuetudinário, ou seja, o jus cogens. [xiii]

O Sr. Assange, que foi reconhecido como solicitante de asilo político pelo governo equatoriano devido ao que se revelou ser um temor legítimo de perseguição política e tortura nos Estados Unidos, claramente deveria ter beneficiado de protecção deste princípio, primeiro pelo Equador e depois pelo Reino Unido. O Equador violou as suas obrigações de direitos humanos ao revogar sumariamente o asilo do Sr. Assange, em contradição directa com a "tradição latino-americana de asilo" [xiv] e com a opinião consultiva OC-25/18 de 30 de Maio de 2018 do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos que afirma o princípio de não repulsão no caso de entrada de pessoas em embaixada para protecção. [xv] A entrada da polícia britânica na embaixada do Equador e a prisão do Sr. Assange foram, portanto, baseadas numa revogação ilegal de asilo, que só pode ser rectificada pelo respeito do Reino Unido pelo seu próprio dever de proteger o princípio de não repulsão, recusando a extradição para os Estados Unidos.


B) VIOLAÇÕES DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DO DIREITO DE SABER

As acusações 1 a 17 da Lei da Espionagem violam o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de imprensa e o direito de saber. Essas acusações apresentam práticas de investigação jornalística comuns e necessárias, como criminosas. [xvi] Essas práticas incluem sinalizar a prontidão para receber informações, indicar quais informações são de interesse, estimular o fornecimento de informações, receber informações para publicação e publicar informações no interesse público. Sob a acusação de conspirar para cometer uma invasão em servidores informáticos, a acusação original também criminalizou a suposta tentativa do Sr. Assange de ajudar a sua fonte a manter o anonimato ao fornecer os documentos em questão, o que se enquadra directamente na prática jornalística actual e no dever de proteger a fonte. Na tentativa de obscurecer este facto e retratar o Sr. Assange como um hacker malicioso, o Departamento de Justiça dos EUA emitiu uma nova "acusação substituta" em 24 de Junho de 2020, sem mesmo registá-la no tribunal britânico, alegando o recrutamento de hackers e um acordo com eles para cometer uma invasão de computador. A nova acusação foi divulgada tardiamente e injustificadamente, à medida que se intensifica a oposição à extradição dos EUA e ao encarceramento de Assange no Reino Unido. Não se baseia em nenhuma informação nova e apenas no depoimento de duas fontes pouco confiáveis.

Concordamos com as conclusões do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa de que "a natureza ampla e vaga das alegações contra Julian Assange, e dos crimes listados na acusação, é preocupante porque muitos deles dizem respeito a actividades que estão no cerne do jornalismo de investigação na Europa e fora dela". [xvii] A extradição com base na acusação comprometeria gravemente a liberdade de imprensa, uma pedra angular das democracias europeias consagrada no artigo 10º da CEDH. [xviii]

Os Estados Unidos também parecem admitir a inconstitucionalidade das acusações, tendo declarado numa das suas alegações ao Tribunal que o Sr. Assange será privado das protecções de liberdade de expressão e de imprensa garantidas pela Primeira Emenda devido ao seu estatuto de estrangeiro. [xix] Além disso, extraditar o Sr. Assange para os Estados Unidos com pleno conhecimento de que pretendem discriminá-lo tornaria o Reino Unido cúmplice de uma negação flagrante de seu direito à não discriminação.

A extradição para os Estados Unidos de um editor e um jornalista por realizar actividades jornalísticas na Europa abriria um precedente muito perigoso para a extraterritorialidade das leis de segredos de Estado e "convidaria outros Estados a fazerem o mesmo, ameaçando seriamente a capacidade de jornalistas, editores e organizações de direitos humanos de revelar informações com segurança sobre questões internacionais sérias." [xx] Tais preocupaçõe pela liberdade jornalística são reflectidas pelos seus profissionais – mais de um milhar de jornalistas assinaram uma carta aberta opondo-se à extradição do Sr. Assange. [xxi] Director-adjunto da Amnistia Internacional para a Europa, chamou a perseguição implacável de Assange pelo governo dos EUA "nada menos do que um ataque em grande escala ao direito à liberdade de expressão", que poderia ter um impacto profundamente no direito do público de saber o que seu governo está fazendo." [xxii]

Além disto, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa declarou, no seu apelo à proibição da extradição e à libertação do Sr. Assange, que os Estados-Membros deveriam "considerar que a detenção e o processo criminal do Sr. Julian Assange abre um precedente perigoso para jornalistas e endossa a recomendação do Relator Especial da ONU sobre Tortura". [xxiii]

C) VIOLAÇÕES DO DIREITO DE NÃO ESTAR SUJEITO A TORTURA, DO DIREITO À SAÚDE E DO DIREITO À VIDA

O Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Professor Nils Melzer, como parte de seu mandato nas Nações Unidas, fez e continua a relatar o tratamento dado ao Sr. Assange. Em 9 e 10 de Maio de 2019, o professor Melzer e dois médicos especialistas em examinar potenciais vítimas de tortura e outros maus-tratos visitaram Assange na prisão de Belmarsh ("HMP Belmarsh"). A visita e a avaliação do grupo mostraram que Assange exibia "todos os sintomas típicos de exposição prolongada à tortura psicológica, incluindo stress extremo, ansiedade crónica e trauma psicológico grave". 
[xxiv]

O Relator das Nações Unidas sobre Tortura concluiu que "O Sr. Assange foi deliberadamente exposto, durante um período de vários anos, a formas persistentes e progressivamente graves de tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante, cujos efeitos cumulativos só podem ser descritos como tortura psicológica". O relator da ONU sobre tortura condenou "nos termos mais veementes a natureza deliberada, concertada e sustentada do abuso" e apelou ao fracasso do governo do Reino Unido e dos governos envolvidos em tomar medidas para a protecção dos direitos humanos e a dignidade do Sr. Assange de "complacência na melhor das hipóteses e cumplicidade na pior". [xxv]

Esses abusos incluem perseguições judiciais sistemáticas e violações do direito a um julgamento justo em todas as jurisdições relevantes e com todos os procedimentos legais relacionados. [xxvi] Isso foi demonstrado mais recentemente no tratamento dado ao Sr. Assange durante o processo de extradição ouvido no Woolwich Crown Court, processo destinado a ser infame com o Sr. Assange preso numa "cabine de vidro", como se ele, jornalista e editor premiado, fosse um criminoso perigoso e violento.

O Sr. Assange foi submetido a detenção arbitrária e isolamento opressivo, assédio e vigilância, enquanto estava confinado à embaixada do Equador [xxvii] e continua a ser submetido como detido na prisão de Belmarsh. Em Belmarsh, o Sr. Assange cumpriu pena irregular e desproporcional de 50 semanas [xxviii] por uma suposta violação da fiança. Perversamente, a alegação, acusação e condenação derivam do facto de que o Sr. Assange solicitou e obteve legitimamente asilo diplomático do governo equatoriano, que reconheceu como fundado o receio de uma extradição com carácter político e de um tratamento desumano nos Estados Unidos. [xxix]

Embora o Sr. Assange já tenha cumprido a sua pena, ele continua preso sem condenação ou fundamento legal para fins de extradição política e, portanto, ilegal para os Estados Unidos. Além disso, ele está preso em plena pandemia de coronavírus, apesar do que precede e da sua vulnerabilidade ao vírus devido a uma doença pulmonar subjacente, exacerbada por anos de prisão e uma história de tortura psicológica. É especialmente preocupante que, devido ao seu estado de saúde e às circunstâncias médicas, ele nem mesmo tenha podido participar por meio de um link de vídeo nas recentes audiências, apesar da sua fiança ser negada. [xxx]

As autoridades britânicas violaram o direito de Assange à saúde enquanto ele estava privado da sua liberdade na embaixada do Equador, negando-lhe o acesso a um diagnóstico e tratamento médico urgente. [xxxi] Os dois especialistas médicos que acompanharam o Relator Especial da ONU sobre Tortura durante a sua visita de Maio de 2019 ao HMP Belmarsh advertiram que, se a pressão sobre o Sr. Assange não diminuísse rapidamente, a sua condição de saúde entraria numa espiral de declínio que poderia levar à sua morte. [xxxii] O pai do Sr. Assange, Sr. John Shipton, relatou que seu filho foi submetido a tortura física enquanto era colocado numa "cabine quente". [xxxiii]

A 1 de Novembro de 2019, o Relator da ONU sobre Tortura declarou: "A menos que o Reino Unido mude o seu modo de proceder com urgência e alivie a situação desumana a que é sujeito o Sr. Assange, a exposição contínua à arbitrariedade e ao abuso, podem em breve custar-lhe a vida." [xxxiv] Pouco tempo depois, em 22 de Novembro de 2019, mais de 60 médicos em todo o mundo exprimiram preocupação com o estado precário de saúde física e mental do Sr. Assange, especialmente temendo por sua vida, e solicitaram a sua transferência para um hospital devidamente equipado e com o pessoal necessário para o seu diagnóstico e tratamento. [xxxv]

Além disso, funcionários da UC Global, que trabalharam na embaixada do Equador, revelaram que a CIA investigou-o activamente e considerou o sequestro ou envenenamento do Sr. Assange. [xxxvi] Isso mostra um desrespeito chocante pelo seu direito à vida e a um processo legal, por parte do próprio governo que busca a sua extradição.

Gostaríamos de recordar ao governo do Reino Unido:

• O seu dever de proteger o direito do Sr. Assange à vida, que é o direito humano mais fundamental consagrado no art. 6 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 2 da CEDH e art. 2 da Lei dos Direitos Humanos (HRA);

• Que a proibição da tortura é uma norma do direito consuetudinário internacional e constitui jus cogens. A proibição é absoluta e, portanto, não pode haver derrogação em nenhuma circunstância, inclusive em caso de guerra, emergência pública ou ameaça terrorista. Também está consagrado no artigo 5 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), nos artigos 7 e 10 do PIDCP, no CCT e no art. 3 da CEDH;

• Da sua obrigação incondicional, nos termos do art. 12 da Convenção contra a Tortura, de assegurar que as autoridades competentes realizem uma investigação imediata e imparcial dos casos denunciados de tortura, o que não foi feito até agora;

e

• Que é um estado membro da Organização Mundial da Saúde, cuja Constituição estipula que o gozo do mais alto padrão de saúde possível constitui um dos direitos fundamentais de todo ser humano, quaisquer que sejam as suas opiniões políticas. Todos devem ter acesso aos serviços de saúde de que precisam, quando e onde precisam.

Instamos o governo do Reino Unido a tomar medidas imediatas para acabar com a tortura infligida ao Sr. Assange, acabar com a sua detenção arbitrária e ilegal e permitir que ele tenha acesso a um diagnóstico e tratamento médico independente num ambiente hospitalar apropriado. O facto de os médicos, cujas preocupações anteriores foram ignoradas, pedirem aos governos que "acabem com a tortura e a negligência médica de Julian Assange" em The Lancet é uma preocupação profunda. [xxxvii]

D) VIOLAÇÕES DO DIREITO A JULGAMENTO JUSTO

Condenamos a negação do direito do Sr. Assange a um julgamento justo nos tribunais do Reino Unido. Este direito foi negado como se segue.


a) Conflitos de interesses judiciais

A Juíza Distrital Sénior (Tribunais de Magistrados) Emma Arbuthnot, que como Magistrada Chefe supervisiona o processo de extradição do Sr. Assange, demonstrou que tem laços financeiros com instituições e indivíduos cujos crimes foram expostos pela WikiLeaks, a organização fundada pelo Sr. Assange. [xxxviii]

Este conflito de interesses aparentemente óbvio, entretanto, não foi revelado pelo juiz distrital. A juíza distrital Arbuthnot não se recusou e foi autorizada a proferir decisões contra o Sr. Assange, apesar da aparente falta de imparcialidade e independência judicial. O juiz distrital (Magistrates' Courts) Michael Snow demonstrou ainda mais parcialidade e falta de profissionalismo ao ajudar na difamação da personalidade do Sr. Assange, chamando ao premiado editor de interesse público e nomeado para o Prémio Nobel da Paz de "narcisista que não pode ir além de seus próprios interesses egoístas" em resposta irónica, à equipe jurídica do Sr. Assange que levantou preocupações claramente legítimas sobre preconceitos processuais. [xxxix]

b) Desigualdade de meios

Foram negados ao Sr. Assange o tempo e os meios para preparar a sua defesa, em violação do princípio da igualdade de meios inerente à presunção de inocência e ao Estado de Direito.

Após a sua prisão, a polícia britânica não permitiu que o Sr. Assange recolhesse e levasse os seus pertences. [xl] Posteriormente, o Sr. Assange foi privado dos seus óculos de leitura por várias semanas. [xli] Até o final de Junho de 2020, ele também teve o acesso negado a um computador. Embora um computador já tenha sido colocado à sua disposição, ele não tem acesso à Internet e é só para leitura, o que impede o Sr. Assange de fazer anotações e, portanto, não permite que prepare sua defesa. Além disso, o Sr. Assange teve o acesso negado à própria acusação por várias semanas após a sua apresentação, enquanto o seu acesso a outros documentos legais permanece limitado até hoje devido à burocracia e à falta de sigilo da correspondência na prisão. Além disso, apesar da complexidade do caso e da severidade da sentença que o Sr. Assange enfrentaria se fosse extraditado para ser julgado nos EUA, as autoridades penitenciárias não estão a garantir que o Sr. Assange possa consultar a sua equipa jurídica e a preparar a sua defesa, limitando consideravelmente a frequência e a duração das suas visitas. Desde meados de Março de 2020, o Sr. Assange não pode encontrar-se com seus advogados pessoalmente.

Os efeitos da tortura sofridos pelo Sr. Assange limitaram ainda mais a sua capacidade de preparar a sua defesa e até, às vezes durante o processo, de responder a perguntas básicas, como perguntas sobre seu nome e data de nascimento. [xlii] Embora novas audiências tenham sido adiadas até Setembro, não é certo que isso permitirá ao Sr. Assange ter o tempo e os recursos necessários para preparar a defesa, visto que não pode comunicar com os seus advogados (devido ao seu encarceramento durante a pandemia), excepto para beneficiar de algumas concessões limitadas no tempo, ou seja, ligações telefónicas restritas a 10 minutos.

c) Negação da capacidade do réu para acompanhar adequadamente o processo e liderar sua equipe jurídica

O Sr. Assange e seus advogados informaram repetidamente o Tribunal da sua incapacidade de seguir adequadamente os procedimentos, de consultar seus advogados confidencialmente e de lhes dar instruções adequadas para apresentar a sua defesa, devido à sua incapacidade de sentar-se junto deles e do seu confinamento numa cabine de vidro blindado. Esta disposição exigia que o Sr. Assange fizesse sinal para atrair a atenção do juiz ou dos sentados na galeria pública, a fim de alertar seus advogados sentados na sala de audiência de costas para ele. Embora a juíza distrital Vanessa Baraitser reconhecesse que a decisão de permitir que o Sr. Assange se sentasse com seus advogados estava dentro de seus poderes, ela recusou-se a exercer esse poder a favor do Sr. Assange, embora a acusação não fizesse objecções ao pedido. A Amnistia Internacional manifestou a sua preocupação de que, se não forem tomadas medidas adequadas nas próximas audiências para assegurar a participação efectiva do Sr. Assange no processo e, consequentemente, para garantir a justiça do processo, isto iria prejudicá-lo. [xliii]

d) Recusa em abordar a questão dos maus-tratos infligidos ao acusado

Os advogados do Sr. Assange informaram o tribunal que em 22 de Fevereiro, as autoridades penitenciárias o algemaram 11 vezes, transferiram-no para cinco celas diferentes, revistaram-no duas vezes e confiscarem os seus documentos legais privilegiados. Supervisionando os procedimentos, a juíza distrital Vanessa Baraitser recusou-se explicitamente a intervir junto das autoridades prisionais, dizendo que não tinha jurisdição sobre as condições de detenção. Este tratamento opressor foi justamente condenado pelo Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association. [xliv] A co-presidente Anne Ramberg, Dra. jurista Honoris Causa, qualificou o tratamento de "violação grave do devido processo legal e do Estado de Direito". [xlv] Além disso, psiquiatras e psicólogos internacionais citaram este tratamento como mais uma evidência de tortura psicológica. [xlvi]

Lembramos ao governo do Reino Unido que o direito a um julgamento justo é a pedra angular da democracia e do Estado de Direito e é um direito humano fundamental consagrado no Artigo 10 da UDHR, Artigo 14 do PIDCP, artigo 6º da CEDH e artigo 6º da LDE. Essas disposições, juntamente com princípios de direito consuetudinário de longa data, exigem um julgamento justo e público por um tribunal independente e imparcial, a presunção de inocência até que seja provada a culpa, o direito de ser informado prontamente e em detalhes da natureza e da causa das acusações, do direito a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação da sua defesa e do direito de comunicar com o seu advogado.

Por todas essas razões, respeitosamente pedimos ao governo do Reino Unido que encerre o processo de extradição dos EUA contra o Sr. Assange e garanta sua libertação imediata.

Queira aceitar, Senhor Presidente, a expressão dos nossos distintos sentimentos,

Lawyers for Assange

(tradução https://resistir.info)

Notas
[i] The Central Intelligence Agency, The National Security Agency, U.S. Department of Defense, U.S. Department of State.
[ii] José María Irujo, "Director of Spanish security company that spied on Julian Assange arrested", El País, (9 Octobre 2019) consultable à: english.elpais.com/...
[iii] Council of Bar and Law Societies of Europe (CCBE), CCBE, Lettre relative à l'interception des communications entre Julian Assange et ses avocats adressée à Ms. Priti Patel, 24 février 2020.
[iv] United Nations Human Rights Office of the High Commissioner, "UN expert on privacy seriously concerned by Ecuador's behaviour in Assange and Moreno cases", (23 Mai 2019), consultable à: www.ohchr.org/...
[v] United Nations Model Extradition Treaty, Art. 3(f) ; International Covenant on Civil and Political Rights, Art. 14.
[vi] United States District Court for the Eastern District of Virginia, Alexandria Division, United States v. Julian Paul Assange, 23 Mai 2019, consultable à: www.justice.gov/opa/press-release/file/1165556/download .
[vii] David Sadoff, Bringing International Fugitives to Justice, (Cambridge University Press, 2016), p. 202.
[viii] Par exemple, Mike Pompeo, secrétaire d'État américain et ancien directeur de la CIA, 13 avril 2017 : 'WikiLeaks se comporte comme un service de renseignement hostile et s'exprime comme un service de renseignement hostile... Et il se concentre essentiellement sur les États-Unis, tout en cherchant à obtenir le soutien de pays et d'organisations antidémocratiques. Il est temps d'appeler WikiLeaks pour ce qu'il est réellement : un service de renseignement hostile non étatique souvent soutenu par des entités étatiques'.
[ix] R. Stuart Phillips, "The Political Offence Exception and Terrorism : Its Place in the Current Extradition Scheme and Proposal for Its Future", 15 Dickinson Journal of International Law, (1997) p. 342.
[x] Amnesty International, "US/UK : Drop charges and halt extradition of Julian Assange", (21 Février 2020), consultable à: www.amnesty.org/
[xi] "UN torture rapporteur : Julian Assange's detention has no legal basis", Going Underground, (30 Novembre 2019), consultable à: www.rt.com/shows/going-underground/474719-un-torture-rapporteur-assange/
[xii] Allard K. Lowenstein, The Darkest Corner: Special Administrative Measures and Extreme Isolation in the Federal Bureau of Prisons (International Human Rights Clinic; The Centre for Constitutional Rights, 2017).
[xiii] Rapport présenté par le Rapporteur spécial sur la torture, M. Theo van Boven, Droits civils et politiques, en particulier les questions liées à la torture et à la détention, Doc. NU E/CN.4/2002/137, 26 février 2002, para. 14, et Comité contre la torture (CAT), Observation générale n° 4 : Sur l'application de l'article 3 de la Convention dans le contexte de l'article 20, version avancée non révisée, 9 février 2018, para. 9. Ce paragraphe stipule que 'Le principe de 'non-refoulement' de personnes vers un autre État où il y a des motifs sérieux de croire qu'elles risquent d'être soumises à la torture est également absolu'.
[xiv] L'expression 'tradition latino-américaine de l'asile' désigne communément l'ensemble des traités bilatéraux et multilatéraux relatifs à l'institution juridique de l'asile territorial et diplomatique adoptés au profit des personnes persécutées politiquement en Amérique latine, y compris la clause de non-extradition pour des crimes ou des motifs politiques.
[xv] Advisory Opinion OC-25/18 du 30 Mai 2018 demandée par la République d'Equateur, Inter-American Court of Human Rights (IACrtHR), (30 May 2018), paragr. 188-189 ; consultable à : https://www.refworld.org/cases,IACRTHR,5c87ec454.html
voir aussi European Commission on Human Rights, W.M. v. Denmark, No. 17392/90. Decision on Admissibility du 14 Octobre 1992, para. 1, et Human Rights Committee, Case of Mohammad Munaf v. Romania (Communication No. 1539/2006), UN Doc. CCPR/C/96/D/1539/2006, Conclusions adoptées le 21 aôut 2009, paragr. 14.2 et 14.5.
[xvi] David Greene, à la conférence organisée par GUE/NLG, European Union Left – Nordic Green Left, Journalism Is Not A Crime – The Assange Extradition Case, (14 Novembre 2019), consultable à :
web-guengl.streamovations.be/...
[xvii] "Julian Assange should not be extradited due to potential impact on press freedom and concerns about ill-treatment", Commissioner for Human Rights for the Council of Europe (20 Février 2020), consultable à : www.coe.int/...
[xviii] European Court of Human Rights (ECtHR), Goodwin v United Kingdom, para. 39.
[xix] Mohamed Elmaazi, "Assange Extradition : US Government Claims Foreign Journalists Aren't Protected by First Amendment", Sputnik International (24 Janvier 2020), consultable à : sputniknews.com/... ;
L'ancien directeur de la CIA, Mike Pompeo, l'avait déjà laissé entendre en déclarant que le premier amendement de la Constitution américaine ne devait pas s'appliquer du tout à M. Assange, car il n'est pas citoyen américain. Glenn Greenwald, "Trump's CIA Director Pompeo, Targeting WikiLeaks, Explicitly Threatens Speech and Press Freedoms", The Intercept (14 Avril 2017), consultable à : theintercept.com/...
[xx] Courage foundation, Briefing for the Council of Europe, 'Why Opposing Julian Assange's Extradition to the U.S. Matters for European Democracy', (Mars 2019), consultable à : defend.wikileaks.org/wp-content/uploads/2019/03/Council-of-Europe-briefing.pdf
[xxi] Speak Up for Julian Assange : International journalist statement in defence of Julian Assange, consultable à : speak-up-for-assange.org/journalists-speak-up-for-julian-assange/
[xxii] Amnesty International, 'US/UK : Drop charges and halt extradition of Julian Assange', (21 Février 2020), consultable à : www.amnesty.org/
[xxiii] Council of Europe, Parliamentary Assembly, 'Threats to Media Freedom and Journalists' Security in Europe', Resolution 2317 (2020), para. 6.2, consultable à : assembly.coe.int/...
[xxiv] United Nations Human Rights Office of the High Commissioner, 'UN expert says 'collective persecution' of Julian Assange must end now', (31 Mai 2019)', consultable à : www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=24665
[xxv] {} Ibid.
[xxvi] 'UN torture rapporteur : Julian Assange's detention has no legal basis', Going Underground, (30 November 2019), consultable à : www.rt.com/shows/going-underground/474719-un-torture-rapporteur-assange/
[xxvii] United Nations Human Rights Council, Working Group on Arbitrary Detention, Opinion No. 54/2015 concerning Julian Assange (Sweden and the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland), A/HRC/WGAD/2015, (22 Janvier 2016) consultable à : www.ohchr.org/Documents/Issues/Detention/A.HRC.WGAD.2015.docx
[xxviii] United Nations Human Rights Office of the High Commissioner, 'United Kingdom : Working Group on Arbitrary Detention expresses concern about Assange proceedings', (3 Mai 2019), consultable à : www.ohchr.org/
[xxix] Deborah Shipley, Criminal Litigation Practice and Procedure, (2019), p 56: 'Bien que le fait de ne pas se présenter au poste de police dans le cadre de la liberté sous caution soit techniquement une infraction pénale, il est très rare en pratique que la police inculpe un suspect pour ce délit'.
[xxx] Lizzie Dearden, 'Julian Assange 'too ill' to attend latest court hearing in US extradition case', The Independent, (1 Juin 2020), consultable à : www.independent.co.uk/...
[xxxi] 'Open Letter to UK Home Secretary Priti Patel and Shadow Home Secretary Diane Abbott', (23 Novembre 2019), consultable à : consortiumnews.com/... et medium.com/@doctors4assange
[xxxii] 'UN torture rapporteur: Julian Assange's detention has no legal basis', Going Underground, (30 November 2019), consultable à : www.rt.com/shows/going-underground/474719-un-torture-rapporteur-assange/
[xxxiii] John Shipton, à GUE/NLG, European Union Left – Nordic Green Left, Journalism Is Not A Crime – The Assange Extradition Case, (14 Novembre 2019), consultable à : web-guengl.streamovations.be/...
[xxxiv] United Nations Human Rights Office of the High Commissioner, 'UN expert on torture sounds alarm again that Julian Assange's life may be at risk', (1 Novembre 2019), consultable à : www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25249
[xxxv] Open Letter to UK Home Secretary Priti Patel and Shadow Home Secretary Diane Abbott, (23 Novembre 2019), consultable à : consortiumnews.com/... et medium.com/@doctors4assange
[xxxvi] Conrad Duncan, 'Julian Assange : WikiLeaks founder 'at high risk of suicide' if extradited to US, hearing told', The Independent (24 Février 2020), consultable à : www.independent.co.uk/...
[xxxvii] Frost S, Johnson L, Stein J, Frost W. 'End torture and medical neglect of Julian Assange'. The Lancet. 7 mars 2020 ; 395 : e44–5. Hogan W, Frost S, Johnson L, Schulze T G, Nelson E A, Frost W. 'The ongoing torture and medical neglect of Julian Assange'. The Lancet. 4 juillet 2020 ; 396:22-23.
[xxxviii] Matt Kennard et Mark Curtis, 'Revealed : Chief magistrate in Assange case received financial benefits from secretive partner organisations of UK Foreign Office' (21 Février 2020), consultable à : www.dailymaverick.co.za/...
[xxxix] Simon Murphy, 'Assange branded a narcissist by judge who found him guilty', The Guardian, (11 Avril 2019), consultable à : www.theguardian.com/
[xl] 'Mandate of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment', Reference UA GBR 3/2019, 27 Mai 2019, Genève, consultable à : spcommreports.ohchr.org/... , p. 8.
[xli] John Pilger, intervention à la conférence Free the Truth , Novembre 2019, consultable à : www.youtube.com/...
[xlii] Jack Peat, 'Assange "struggles to say his own name" as he appears in court', The London Economic , (21 Octobre 2019), consultable à : www.thelondoneconomic.com/...
[xliii] Amnesty International, 'UK : Amnesty International urges the UK to guarantee a fair extradition process to Julian Assange' (27 Février 2020), consultable à : www.amnesty.org/...
[xliv] International Bar Association, the global voice of the legal profession, 'IBAHRI condemns UK treatment of Julian Assange in US extradition trial', (10 Mars 2020), consultable à : www.ibanet.org/...
[xlv] Ibid
[xlvi] Lissa Johnson, 'Psychological Torture, Coronavirus, and Julian Assange', Concurrent Disorders , (2 Avril 2020) consultable à : concurrentdisorders.ca/...

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